O lançamento da mais nova obra de Rafael Fava Belúzio foi realizado no
último dia 6, no Carangola Tênis Clube. 1929 é o segundo livro do autor, e
reúne 29 crônicas escritas entre 2009 e 2014, que foram reunidas e
retrabalhadas para a publicação. A partir de 2019, Rafael iniciou as tratativas
para o processo de produção de sua nova obra, que agora, em 2021, teve sua
publicação. Ele conta que admira a Literatura de muitas maneiras e que muito
cedo começou a escrever, possuía cadernos onde produzia poemas. Segundo o
autor, “as páginas de 1929 discutem a vida carangolense, o cotidiano da cidade,
embora ocorram também dimensões, por assim dizer, regionais, nacionais e
universais ao longo do escritos.” Em entrevista ao Semanal, Rafael Belúzio
discorreu sobre seu novo livro e aspectos da obra, assim como a sua relação tão
tenra e próxima com a Literatura.
Rafael Belúzio: Inicialmente, gostaria de agradecer ao
Jornal O Semanal e à Lavínia Torres por essa entrevista. Sabemos como é
importante olharmos para a Cultura, aqui em Carangola e em qualquer lugar. Faço
votos de que a Literatura sempre tenha espaço aqui nas páginas do jornal. Quanto
à inspiração para o desenvolvimento do livro, não sei se acredito em
inspiração, mas é possível que em algum momento possa ter ocorrido algo a
motivar a criação, ou infinitas motivações vieram se acumulando ao longo do
tempo, inspirando o trabalho. Difícil dizer. De todo modo, a obra possui muito
de transpiração. O 1929 corresponde, inicialmente, a um conjunto de
crônicas. Escrevo em jornais desde 2005. Entre 2009 e 2014, morando em
Carangola, procurei intensificar o tratamento literário de certas questões
enquanto redigia para os periódicos e fui notando que era possível dar alguma
unidade aos artigos variados. A partir de 2015, andei reunindo esse volume de
textos, retrabalhando o material, interagindo com leitores amigos. Sem parar de
produzir novas páginas, atuava feito um montador de cinema, selecionado e
ordenando os escritos. A partir de 2019, já em diálogo com a Elza Silveira e a
equipe Impressões de Minas, seguimos retocando os originais, até que, agora em
2021, dentre as cerca de 250 crônicas escritas, 29 entraram no livro.
O Semanal: Você pode nos contar um pouco sobre a sua trajetória com a
literatura? Quando foi publicado seu primeiro livro, desde quando você começou
a escrever…
Rafael: Antes de tudo, sinto que admiro
Literatura, de muitas maneiras. Esse estado de recepção acontece desde as
primeiras canções ouvidas, desde as historinhas para dormir, e os textos, ao
correr dos anos, seguem se amontoando sobre mim e sigo me debruçado sobre eles.
Não sei dizer exatamente quando comecei a escrever, muito cedo eu já tinha
caderninhos de escrita, sempre fiz poemas. Assim, notada a minha afinidade com a
Literatura, em 2003 comecei a cursar Letras, na Universidade Federal de Viçosa,
e, em 2007, entrei no mestrado em Estudos Literários, na Universidade Federal
de Minas Gerais. Durante os dois cursos, realizei pesquisas sobre a obra de
Álvares de Azevedo, recebendo bolsas do CNPq e da Fapemig para levar adiante
essas investigações. Um dos resultados dessas pesquisas é o livro Uma lira
de duas cordas: o ritmo como elemento construtivo da binômia de Lira dos
vinte anos, obra lançada em 2015, quando eu cursava o doutorado, e
corresponde a uma versão de meu mestrado. Isso é uma parte da trajetória.
O Semanal: Como você descreve o livro 1929? Você pode nos contar
um pouco sobre ele?
Rafael: Dependendo do ângulo de observação, o 1929
me parece um livro de crônicas. E assim consta na ficha catalográfica. Contém
29 textos publicados, durante cinco anos, especialmente em periódicos de
Carangola. Sem falar que em diversos momentos as páginas discutem a vida
carangolense, o cotidiano da cidade, embora ocorram também dimensões, por assim
dizer, regionais, nacionais e universais ao longo do escritos. A crônica é um
gênero enorme no Brasil: feito as cidades do interior, costumam ter uma força
grandiosa vindo da pequenez. A crônica possui tradição que passa por nomes como
Machado de Assis e Rubem Braga, e o livro dialoga com essa tradição. Além
disso, os textos do 1929, aliás, podem ser vistos, aqui e ali, como
artigos, ensaios, poemas em prosa, fragmentos, cartas, causos, memórias, entre
outros. E se leio os textos em sequência, o livro me parece um romance, um
filme. As crônicas-fotos ganham movimento e se nota uma narrativa-roteiro,
tensionando em incerta medida o ingênuo e o sentimental.
1929 reúne 29 crônicas produzidas entre 2009 e 2014. Foto: Camila Monteiro de Lima e Alice Diniz
O Semanal: O que o leitor pode esperar de 1929?
Rafael: Espero que não espere nada. Quero dizer: espero que vá para a obra aberto à leitura, sem criar expectativas. A expectativa, não raro, é mãe da frustração. Veja só. Federico Fellini é um dos meus diretores de cinema preferidos. Gosto especialmente do relativo ceticismo de A doce vida. Me toca muito. E demorei a ver Amarcord, outra produção sensacional do italiano. Nessa demora, criei muita expectativa pelo filme. Ele é mesmo incrível, revi depois algumas vezes e a cada vez observo nuances diferentes. Me encanta a argúcia do diretor ao olhar para a cidade que está sob os efeitos de diversas crises, assim como Carangola, no 1929 também está sob o efeito de muitas crises. No entanto, a primeira vez que vi Amarcord, não o achei tão potente. Talvez tenha sido a espera, a expectativa. Por outro lado, a primeira vez que vi Um homem com uma câmera, filme de Dziga Vertov, fiquei muito surpreso com a produção. Eu já gostava de O encouraçado Potemkin e admirava os recursos da Montagem Soviética. Mas não ter notícias de Vertov me fez mais próximo do filme no momento em que o via. Enfim, espere no 1929 algo como um homem com uma câmera, ou recordações, imagens diversas sobre Carangola – mas, principalmente, leia o livro.
Como se dá o seu processo criativo quando escrevendo?
Rafael: Há diversos processos. Um deles está
ligado justamente a ver filmes. E ouvir músicas, ler livros, observar pinturas,
andar por aí, ficar sozinho no quarto, conversar, passar cinco anos jogando
bola, seis carregando uma pedra morro acima e a deixando escorregar morro
abaixo... Ir acumulando repertórios até que em algum momento a página a ser
escrita tenha elementos para trabalhar. Literatura é um pouco de paixão
recolhida na tranquilidade, talvez; ainda que escrever não seja às vezes muito
tranquilo e o assunto da escrita possa ser a ociosidade de uma cidadezinha qualquer.
Além disso, cada tipo de texto, ou até mesmo cada texto, exige um processo. Os
poemas demandam mais concentração de sons e imagens e conceitos. As crônicas,
quando são poemas disfarçados de prosa cotidiana, também não exigem menos, mas
podem nascer com pressa e sob a pressão do editor do jornal – a pressa é amiga
da produção, o salário também. Quando me pagam pelo texto, sou muito criativo,
por sinal.
Lavínia Torres